Schwarz

1: Toda ciência tem princípios, de que deriva o seu sistema. Um dos princípios da Economia Política é o trabalho livre. Ora, no Brasil domina o fato impolítico e abominável da escravidão. BRAZIL IS NOT UNIQUE in this, though. And if slavery is not only essential to but constitutive of modernity, the quoted pamphlet may be off. #Schwarz is going to analyze this and related statements. (How can I boil down and crystallize the key issues here?)

2: Brazilian writers of the period either said slavery was alienating to Brazilians or that it was better than poorly paid wage labor. Either way, the free Brazilian gets to say “poor me–maligned because of slavery.”

3: So Brazil had liberal ideals, and thought it should, but a slavocratic reality, and it complained about the contradiction–or used it as evidence of exceptionalism.

4: “Mesmo profissões liberais, como a medicina, ou qualificações operárias, como a tipografia, que, na acepção européia, não deviam nada a ninguém, entre nós eram governadas por ele. E assim como o profissional dependia do favor para o exercício de sua profissão, o pequeno proprietário depende dele para a segurança de sua propriedade, e o funcionário para o seu posto. O favor é a nossa mediação quase universal e sendo mais simpático do que o nexo escravista, a outra relação que a colônia nos legara, é compreensível que os escritores tenham baseado nele a sua interpretação do Brasil, involuntariamente disfarçando a violência, que sempre reinou na esfera da produção.”

5. Because of slavery and the mediation of the favor, European/bourgeois/”nouveau régime” and liberal forms were utterly superficial, “para inglês ver”–everything was still clientelist, tributarian, colonial.

6. Aí a novidade: adotadas as idéias e razões européias, elas podiam servir e muitas vezes serviram de justificação, nominalmente objetiva, para o momento de arbítrio que é da natureza do favor. Sem prejuízo de existir, o antagonismo se desfaz em fumaça e os incompatíveis saem de mãos dadas. Esta recomposição é capital. Seus efeitos são muitos, elevam longe em nossa literatura.

7. De ideologia que havia sido isto é, engano involuntário e bem fundado nas aparências o liberalismo passa, na falta de outro termo, a penhor intencional duma variedade de prestígios com que nada tem a ver. Ao legitimar o arbítrio por meio de alguma razão racional, o favorecido conscientemente engrandece a si e ao seu benfeitor, que por sua vez não vê, nessa era de hegemonia das razões, motivo para desmenti-lo. So: the liberal ideas are out of place. But my question: aren’t they also out of place worldwide, given that slavery is a global system?

8. But Schwarz is talking about the importance of the favor. It doesn’t enable even a false description of reality–its logic is completely different. It’s to disable thought and analysis entirely (I think he means this). Assim, com método, atribui-se independência à dependência, utilidade ao capricho, universalidade às exceções, mérito ao parentesco, igualdade ao privilégio etc. Combinando-se à prática de que, em princípio, seria a crítica, o Liberalismo fazia com que o pensamento perdesse o pé.

9. So various things happen, including the bourgeoisie being a fidalguia. The idea of the favor convinces everyone that they are not enslaved. Lastreado pelo infinito de dureza e degradação que esconjurava ou seja a escravidão, de que as duas partes beneficiam e timbram em se diferençar este reconhecimento é de uma conivência sem fundo, multiplicada, ainda, pela adoção do vocabulário burguês da igualdade, do mérito, do trabalho, da razão. Machado de Assis será mestre nestes meandros.

10. And: as idéias da burguesia, a princípio voltadas contra o privilégio, a partir de 1848 se haviam tornado apologética: a vaga das lutas sociais na Europa mostrara que a universalidade disfarça antagonismos de classe.

11. Portanto, parabem lhe reter o timbre ideológico é preciso considerar que o nosso discurso impróprio era oco também quando usado propriamente. Note-se, de passagem, que este padrão iria repetir-se no séc. XX, quando por várias vezes juramos, crentes de nossa modernidade, segundo as ideologias mais rotas da cena mundial. Para a literatura, como veremos, resulta daí um labirinto singular, uma espécie de oco dentro do oco. Ainda aqui, Machado será o mestre.

12. Assim, posto de parte o raciocínio sobre as causas, resta na experiência aquele desconcerto que foi o nosso ponto de partida: a sensação que o Brasil dá de dualismo e factício contrastes rebarbativos, desproporções, disparates, anacronismos, contradições, conciliações e o que for combinações que o Modernismo, o Tropicalismo e a Economia Política nos ensinaram a considerar.

13. Matéria mais solene, mas igualmente marcada pelo tempo, é a letra de nosso hino à República, escrita em 1890, pelo poeta decadente Medeiros e Albuquerque. Emoções progressistas a que faltava o natural: Nós nem cremos que escravos outrora / Tenha havido em tão nobre país! (outrora é dois anos antes, uma vez que a Abolição é de 88). Em 1817, numa declaração do governo revolucionário de Pernambuco, mesmo timbre, com intenções opostas: Patriotas, vossas propriedades inda as mais opugnantes ao ideal de justiça serão sagradas.

14. Largamente sentido como defeito, bem conhecido mas pouco pensado, este sistema de impropriedades decerto rebaixava o cotidiano da vida ideológica e diminuía as chances da reflexão. Contudo facilitava o ceticismo em face das ideologias, por vezes bem completo e descansado, e compatível aliás com muito verbalismo. Exacerbado um nadinha, dará na força espantosa da visão de Machado de Assis.

15. Interesting: in Brazilian and Russian literature you see how the discourse of modernity is thin and misapplied. So paradoxically, they who do not really participate in modernity are the ones who reveal its limitations (I think he is saying this, I wish I were in a discussion group).

16. Ao longo de sua reprodução social, incansavelmente Brasil põe e repõe idéias européias, sempre em sentido impróprio. É nesta qualidade que elas serão matéria e problema para a literatura. O escritor pode não saber disso, nem precisa, para usá-las. Mas só alcança uma ressonância profunda e afinada caso lhes sinta, registre e desdobre ou evite o descentramento e a desafinação. Se há um número indefinido de maneiras de fazê-lo, são palpáveis e definíveis as contravenções. Nestas registra-se, como ingenuidade, tagarelice, estreiteza, servilismo, grosseria etc., a eficácia específica e local de uma alienação de braços longos a falta de transparência social, imposta pelo nexo colonial e pela dependência que veio continuá-lo. So: I don’t understand 19th century Latin American literature because it is playing in a weird way with ideas I recognize?

17. And in this way BR literature is always looking at the global situation — albeit indirectly; they are speaking in this vocabulary but with different meanings, using it from a different situation. E vê-se, variando-se ainda uma vez o mesmo tema, que embora lidando com o modesto tic-tac de nosso dia-a-dia, e sentado à escrivaninha num ponto qualquer do Brasil, o nosso romancista sempre teve como matéria, que ordena como pode, questões da história mundial; e que não as trata, se as tratar diretamente.


Leave a Reply

Fill in your details below or click an icon to log in:

WordPress.com Logo

You are commenting using your WordPress.com account. Log Out /  Change )

Twitter picture

You are commenting using your Twitter account. Log Out /  Change )

Facebook photo

You are commenting using your Facebook account. Log Out /  Change )

Connecting to %s